Como uma borrasca ou com apenas um fio de voz, Débora Falabella te lança num abismo

27 de março de 2025

Atriz faz sua primeira apresentação no Teatro Guaíra, quase cai no choro, e dá entrevista sobre peça que trata de uma advogada às voltas com o próprio caso de abuso sexual

Por Sandoval Matheus

Débora Falabella está gripada há dias. Quando chega na Sala de Imprensa Ney Latorraca, no Hotel Mabu, dá a impressão de ter apenas um fiapo de voz. É uma imagem muito diferente da que o público viu na noite de terça-feira, 25, na primeira sessão de “Prima Facie” na Mostra Lucia Camargo, no Festival de Curitiba. Ali, ela entrou no palco como uma verdadeira borrasca, num frenesi de texto e gestual que imediatamente agarrou a plateia pelo colarinho. No fim da apresentação de quase duas horas, recebeu os demorados aplausos visivelmente emocionada, às raias de cair no choro.

“Foi uma das experiências mais emocionantes da minha vida, pra mim e pra toda a equipe. Eu nunca tinha me apresentado no Teatro Guaíra”, atestou em entrevista coletiva na manhã seguinte. O espetáculo é o primeiro solo de Débora Falabella. “Mais do que resistência física, é uma questão de resistência vocal. E tenho muita sorte porque a minha fonoaudióloga, Janaína Pimenta, é a mesma da Ivete Sangalo”, brincou.

O enredo de “Prima Facie”, texto barra-pesada da australiana Suzie Miller que estreou em Londres em 2023, trata de uma advogada criminalista em franca ascensão na carreira, que se sente à vontade lidando com casos de abuso sexual. Até que se vê, ela mesma, vítima do estupro de um colega.

A peça tem dois atos bem definidos. Na primeira parte, um monólogo ágil, repleto de válvulas de escape e tiradas divertidas, vai enredando o espectador até ele ficar totalmente à mercê da pancada que divide a vida da protagonista em antes e depois – mais ou menos à maneira que a personagem de Débora, a advogada Tessa, fazia com suas testemunhas no tribunal. Dali pra frente, tudo fica muito mais escuro e terrificante.

“A Tessa é uma mulher livre que de repente se vê num abismo. E no palco eu sinto exatamente o momento em que o público cai nele junto comigo. É muito comovente”, conta Débora. “Desde a nossa estreia, sempre me impressiona como muitos homens estão na plateia. Alguns vão acompanhados das esposas, e saem completamente mudos, porque alguma coisa pegou ali. É muito bonito poder falar pra todo mundo.”

A montagem, que faz uma indisfarçável crítica ao Sistema Judiciário – a expressão latina “prima facie” significa literalmente “à primeira vista”, e entre os togados é usada para apontar se existem ou não evidências para se seguir com um processo –, tem sido também amplamente vista por juízes, advogados e promotores. A ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chegou a atuar como uma espécie de produtora informal para levar o espetáculo a Brasília, depois de assistir no Rio de Janeiro.

A ideia, entretanto, é em breve investir em temporadas, digamos, mais populares. “Não sei se é uma peça que pode mudar muita coisa, mas pode mudar alguma coisa dentro de cada um”, diz Débora. “No Brasil, temos leis maravilhosas, como a Maria da Penha. A gente fala muito do Sistema Judicial, mas essa é uma questão de toda a sociedade. Enquanto a sociedade julgar a mulher culpada, nada vai mudar. Enquanto não mudarmos a maneira que criamos nossos filhos, que eles são educados na faculdade, nada vai mudar. É uma questão que vem lá atrás.”

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