ERIC CLAPTON NO BRASIL: ELEGÂNCIA, BLUES E SOLOS CATIVANTES

30 de setembro de 2024

Por Carlos Eduardo Oliveira

Convencido a fazer shows na Inglaterra, Jimi Hendrix impôs uma única condição inegociável: só iria se pudesse conhecer seu ídolo Eric Clapton, àquela altura “barbarizando” em sua banda, o Cream, primeiro supergrupo da história. Muitas décadas depois, em sua turnê brasileira, o guitarrista que um dia foi chamado de Deus e forneceu um Norte para a guitarra no rock’n’roll, pratica o que nos EUA é chamado de AOR – “adult oriented rock”, vagamente traduzível para rock de adulto, de, va lá, “tiozão” – e não vai aí nenhum demérito. Isso ficou claro inclusive no estilo de parte de seu atual e devoto público, já que não faltaram mulheres elegantes em tubinhos pretos e salto-e-lantejoulas-e-casacos de oncinha. Careta, sim, mas completamente entregue a São Clapton.

A partir da introdução de “Sunshine Of Your Love”, clássico do Cream (e à exceção de “Cocaine”, o maior coro da noite), o que se viu foi muita sensibilidade, elegância e fluidez nas seis cordas do mito de 79 anos que mesmerizou o púbico do Vivo Fibra, em São Paulo, mesmo nos momentos mais tranquilos. O setlist foi o mesmo apresentado dias antes em Curitiba na Ligga Arena. “I’m Your Hootchie Cootchie Man”, cover de Willie Dixon, e outra pérola do Cream, a linda “Badge”, ambas há séculos no repertório do músico, formaram o cartão de visitas da noite.

Sob clima intimista reforçado por iluminação em tons opacos, foram vários os momentos mais calmos, como o prolongado set acústico onde a tocante “Tears In Heaven” marejou olhos de quem se entregou à pungente letra autoral (dedicada ao filhinho falecido aos quatros anos em NY). Coube ainda o clássico “Nobody Knows You When You’re Down And Out” (Jimmy Cox), vibrante, mesmo no formato voz e violões.   

A maioria dos músicos ingleses de rock de sua geração devem suas carreiras à devoção aos bluesmen americanos, e Clapton nunca se apartou dessas raízes – tanto que em 1999 criou o Crossroads Guitar Festival, evento benemerente dedicado ao gênero com inúmeras edições ao longo dos anos. Nos shows, comunga a paixão e literalmente carrega o público na viagem, secundado por uma excelente backing band, com destaque para o guitarrista Doyle Brambhall II, que divide com Clapton os solos, e os tecladistas Tim Carmon (órgão, sintetizador) e Chris Stainton (piano).

Sem praticamente olhar para o instrumento em nenhum momento (algo raro, para músicos) e com a mesma potência vocal do passado, o Slowhand (“mão lenta”, apelido dos anos de Cream) destila elegância em solos calmos, poderosos, cativantes. Não por coincidência, estão lá dois blues do lendário Robert Johnson, (1911-1938), “Crossroads Blues” e “Little Quenn of Spades”. A festa termina (não literalmente, claro) com “Cocaine”, antecedendo o bis (“Before You Accuse Me”, de Bo Didley) para o qual Clapton ressurge empunhando uma Fender Stratocaster customizada com as cores da bandeira palestina.

Infelizmente de pouco adiantou o coro – notadamente, vozes femininas – suplicando por “Layla”, maior hit de sua carreira solo. Ok, o percurso poderia ter sido um pouquinho mais dinâmico, mas de qualquer forma, a noite literalmente já estava ganha.

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