
“Meu ódio pela humanidade vira música”, diz Kerry King, guitarrista do Slayer, em entrevista exclusiva
30 de abril de 2025
Em entrevista exclusiva à MUNDO LIVRE FM, o guitarrista Kerry King detalha seu processo criativo, fala sobre a participação do Slayer na despedida oficial de Ozzy Osbourne, se desculpa pela administração Trump nos EUA – e ainda comenta sobre sua famosa coleção de cobras
Por Carlos Eduardo Oliveira
– Te vejo daqui umas semanas, certo?
De preto e óculos escuros na nublada tarde paulistana, um simpático Kerry King se despede do repórter no luxuoso hotel da zona sul da capital. Relaxado, destila bom humor. Havia duplo motivo para a visita: promover o lançamento do elogiado From Hell I Rise (2024), estreia do eterno guitarrista do Slayer em álbum solo; e promover justamente o primeiro show do trabalho no Brasil, como uma das grandes atrações principais do mais-que-aguardado Bangers Open Air Festival 2025, que invade a Pauliceia no próximo final de semana para consolidar-se como uma das Mecas do metal na América Latina.
>Entre as músicas de From Hell I Rise, a letra de “Toxic” reflete o grau de insanidade que ocorre no mundo e na América neste momento…
Kerry King: (Interrompendo) Não. Não acho.
>Não?
(inclinando-se sobre o celular, gravando) Tenho certeza de que o mundo inteiro nesse momento está olhando para o meu país com muita repugnância. Não vim aqui para falar de política, mas gostaria de aproveitar e me dirigir a todos os amigos brasileiros pedindo desculpas pelo que está acontecendo nos Estados Unidos no momento.
>From Fell I Rise tem um certo senso de urgência, uma aura sombria, niilista. De onde vem isso?
Mais do que tudo, do ódio que sinto pela humanidade. Veja, eu tenho amigos, você também, todo mundo têm. Mas, por exemplo, quando você está, sei lá, no aeroporto ou em qualquer lugar, e topa com pessoas rudes, que são rudes só por serem rudes, sem nenhuma razão aparente…. esse mundo em que vivemos seria muito mais legal se todo mundo se entendesse. A ideia é maravilhosa, mas nunca vai acontecer. Sabendo disso, tenho infinitas ideias e pensamentos de ódio, por ter que conviver com gente escrota desse tipo. Isso acaba me dando ideias para as próximas músicas. Pode ser uma situação aleatória, qualquer coisa completamente diferente, mas eu posso pegar a raiva que senti naquele dia e transferir para o que estou tentando atingir liricamente. Todos temos famílias, amigos e tudo mais, mas o mundo é uma merda.
>Quando começaram os rumores que você estaria trabalhando em um novo álbum solo, rumores se espalharam e muita expectativa foi criada. Como lidou com suas próprias expectativas?
Por ser um primeiro álbum, fora os discos do passado, eu comecei a trabalhar nele três meses depois do Slayer se aposentar, e um pouco antes da pandemia. Eu já tinha o desejo de finalizar o trabalho antes de ficar preso em casa. E depois que fiquei, ao invés de ficar de bobeira ou beber todo dia, preferi começar a trabalhar com o Paul (Bostaph, baterista, também ex-Slayer). E eu tinha tantas músicas que tive que fazer uma pré-edição, pra não perder tempo nas que não usaria naquele momento. Selecionei umas doze ou treze e fizemos as demos. Isso ajudou muito. Quando fomos para o estúdio, gravamos tudo em duas semanas.
>Só duas semanas?
Sim. Muito pouco comum pra uma banda com esse calibre musical. Todos sabiam o que estavam fazendo e não rolou nenhuma dúvida ou questionamento. E quando acabarmos essa turnê, lá por outubro, Paul e eu já vamos começar a trabalhar em um segundo álbum. Vamos tentar acabar tudo e entregar pra gravadora lá pelo Ano Novo, assim eles podem trabalhar com calma para o lançamento em 2026.
>Já, um novo disco da Kerry King Band?
Sim. Somos velhos, não temos tempo a perder (risos).
>Em recentes entrevistas, o Paul comentou que dessa vez vocês trabalharam juntos de maneira diferente do que em outras ocasiões.
Não sei o que ele quis dizer (risos). A única diferença é que agora eu moro na Costa Oeste. Acho que fizemos o mesmo, eu enviava pra ele as musicas que gravava no meu celular e sinalizava os beats que achava que cabiam, assim, quando estivéssemos juntos, gravaríamos a faixa em não mais que uns cinco minutos. Talvez ele esteja falando do Pro-Tools, que usamos no estúdio pela primeira vez, o que nos rendeu gravações demos bem boas. Antes, a gente gravava demos com gravadores analógicos ou o que estivesse à mão. Dessa vez, tivemos Pro-Tools, um supervisor cuidando de tudo de diferente que pudesse surgir, pra termos certeza de que nada escaparia. Acho que foi isso que ele quis dizer, mas fora disso, foi basicamente ele e eu trocando ideias pra lá e pra cá.
>Qual o lado bom e o lado ruim das comparações entre From Hell I Rise e seus trabalhos com o Slayer?
O lado ruim é que, independentemente de qualquer coisa, todo mundo vai comparar com o Slayer. Sou cool com isso. Mas quando começam a falar coisa, tipo, Slayer 2.0… só porque eu compus 90% do último álbum da banda, e escrevi esse inteiro, claro que vão haver comparações. Eu não mudei meu estilo de escrita só por não estar mais no Slayer. Já o lado bom é que muita gente vai gostar justamente porque soa como Slayer. Eu não quis fazer nada de tão diferente. Eu gosto de AC/DC porque é AC/DC, eu gosto de Black Sabbath porque soa como Sabbath. As bandas de que gosto, eu não quero que mudem; algumas bandas surgem e depois evoluem, isso é normal. Mas bandas que deixam um legado, como AC/DC, Sabbath, ninguém quer que elas mudem. Eu pensei no que a maioria dos fãs quer de mim: eles querem que eu faça o que eu faço. E é assim que eu escrevo músicas.
>No álbum você tem o Mark (Osegueda, ex-Death Angel), nos vocais. Chegou por algum momento a pensar em você mesmo cantar?
Antes de chegar ao Mark, eu cantei tudo, nas demos. Mas não consigo tocar e cantar ao mesmo tempo. As músicas que você me vê cantando no palco, é porque são as mais simples, então consigo fazer os dois. Mas eu não tenho a manha (risos), tenho convicção disso. Mas o Mark chegou e simplesmente arrasou. Quando mandei as demos pra ele, ele teve a noção de como cantar o que já estava escrito. E arrasou. Então, não (risos), nunca tive o desejo de ser cantor. É divertido, eu até gosto de cantar, e canto, meio de brincadeira mas só por trás dos panos (risos).
>Keith Richards, dos Rolling Stones, costuma dizer que os solos de guitarra vêm e vão, mas são os riffs que permanecem pra sempre. Algum favorito, nesse álbum?
Muitos. Vários. Mas espera um minuto, deixa eu conferir a tracklist (risos, pega um CD sobre a mesa da sala do hotel pra olhar as músicas na contracapa). “Crucifixation” é um deles, um longo e pesado riff, com diferentes partes nele. O que foi intencional, no geral o disco é todo rápido, mas essa é uma das mais lentas. Gosto do riff, o retorno é bom, gosto quando a harmonia entra e simplesmente adoro o break recorrente da bateria, é muito Sabbath. Quando escrevi, corri pro Paul e falei, dude, vem escutar, consegui umas partes bem Sabbath! E ele veio com uma pegada meio Bill Ward (baterista original do Black Sabbath), na bateria. Então, “Crucifixation” é divertida de tocar, mas há toneladas de grandes riffs nesse disco. Antes de ser lançado, eu o toquei por pessoal da (gravadora) Metal Blade, e o disco ainda não tinha nome. Eles falaram: se ainda não tem título pra esse disco, ponha Riff City (risos), eles gostaram muito dos riffs. Eu amo vários dos riffs, mas o de “Crucifixation” é muito especial.
>Há diferença de seu equipamento de estúdio e o que usa nos shows?
Eles são o mesmo. Achei que fosse me perguntar se seria diferente do Repentless (disco do Slayer de 2015), mas a resposta seria a mesma, exceto por uma única guitarra diferente que tenho usado ultimamente. Essa é a única diferença. Meu equipamento de estúdio é exatamente o meu equipamento dos shows.
>Obviamente você já respondeu isso antes, mas o trabalho de guitarras do Slayer, de diferentes tempos e andamentos, como surgiu?
Gosto de fazer música que não me lembre de nada que ouvi antes, mesmo que sejam coisas de que gosto, como a relação de “Crucifixation”com o Black Sabbath, como falamos há pouco. Tipo, pegar um riff e pensar se vai ser o riff de um verso, ou do refrão, ou da introdução. E a partir daí, expandir a música de um jeito que não pareça óbvio. Amo fazer isso. Breaks, mudanças de tempo, gosto muito de colocar essas coisas. Isso vem muito das minhas influências: punk, metal, hard rock. Ponho meu toque nisso tudo na esperança de “vomitar” algo bom.
>E funcionou muito bem ao longo do tempo, com o Jeff (Hanneman, ex-guitarrista do Slayer, falecido em 2013), não?
Sim! Ele pensava do mesmo jeito, por isso deu tão certo.
>Vocês eram amigos próximos?
Yeap. Muito. Assim, a gente morava perto, depois ele se mudou para um lugar tipo a uma hora da minha casa, na Califórnia. Não era tão longe assim. Mas nos últimos tempos nos encontrávamos mais pra trabalho do que pra sair e nos divertirmos. Ainda assim a gente se encontrava pra ver futebol (obs: futebol americano), eu ia até a casa dele, fazíamos umas festinhas, a gente saia para beber. Não tanto quanto antes, mas volta e meia estávamos juntos.
>O que de especial estão preparando para a participação do Slayer no concerto de despedida do Ozzy e o Black Sabbath?
Escolhemos uma música pra tocar que não vejo a hora, estou muito empolgado pra tocar. Demos sorte, somos das poucas bandas que vão tocar cinco músicas, a maioria vai tocar duas. Muito legal o set que preparamos, estou muito empolgado e agradecido pela oportunidade. Feliz por lembrarem de nós e nos colocarem no show, com todo esse tempo pra tocar. Minha banda – Slayer –, não toca mais tão frequentemente. Então quando o convite apareceu, eu cancelaria o que tivesse pra estar lá. Pra mim, é importante como fã, é importante como amigo desses caras, e tocar uma do Sabbath no meio do nosso setlist, nada pode ser mais legal que isso. Se eu tivesse 20 anos e me dissessem que eu ia tocar no show final do Black Sabbath, acho que eu desmaiava (risos). Não vejo a hora! Na real, nessa turnê já comecei a ensaiar algo com minha banda atual, só pra curtir com o Paul. E só pelo fato de eu e ele conhecermos tão bem a música do Sabbath, sei que será muito bom.
>Você já poderia comentar as músicas que irão tocar no show?
Nãaao! Nem pensar, se eu falar, no dia seguinte a Sharon Osbourne (esposa e empresária de Ozzy) me liga no celular, me xingando! Tipo, o que tá fazendo, seu idiota (risos)? E ainda me processa (risos)!
>Na sua coleção de serpentes, você tem algum espécime de cobra brasileira?
Já tive, não tenho mais. Na verdade, algumas das espécies que eu mais colecionava eram cobras da América do Sul.
>Chegou a ter jararaca? É uma cobra muito típica do Brasil.
Como é o nome?
>Jararaca.
É venenosa?
>Muito. Super perigosa.
Então nunca tive uma. (Apontado para as mãos). Veja, sou músico, não podia ter nenhuma cobra venenosa na minha coleção. Decidi isso logo que comecei, aos 20 anos. Porque picada você toma, não tem jeito, não importa o quão cuidadoso seja. E pra um guitarrista, ser picado por uma cobra venenosa de sua própria coleção, seria algo muito idiota. E não quero ser idiota (risos).
>Atualmente existe um grande mercado negro de tráfico de serpentes brasileiras, especialmente da Amazônia, para a Europa e os Estados Unidos.
Sério? Não sabia. Tive uma boa quantidade de répteis brasileiros, mas vendi ou troquei todos.
>Amigos e pessoas que te conheceram mais proximamente aqui no Brasil têm a impressão de que apesar da imagem, no fundo você é muito tímido, Você é?
Não. Nem um pouco. Estou sempre pronto pra festa. Mas se eu não te conheço, demoro um pouco para enturmar. Sou muito bom com rostos, mas uma merda com nomes. Meus amigos até me xingam por causa disso (risos). Y’kow, eu demoro um pouco pra relaxar, até porque na minha vida sempre tive muita gente ao redor tentando tirar uma casquinha. O que às vezes até pode ser legal, mas isso não vai nos tornar amigos. Tem também o fato de eu ter estado em tantos países que obviamente não dá pra lembrar de todo o mundo. O Paulo – Hi Paulo! (dá um tchau pro segurança, no fundo da sala, que devolve a saudação), logo que eu o vi de novo aqui no Brasil, lembrei dele na hora, sem lembrar do seu nome. Então, é assim: meus amigos mais próximos, são muito, muito próximos.