As 8 músicas essenciais para entender Jards Macalé, o artesão radical da música brasileira
18 de novembro de 2025
A música brasileira perdeu, nesta segunda-feira (17), uma de suas figuras mais inquietas e transformadoras. Jards Macalé, morto aos 82 anos após complicações de um enfisema pulmonar no Rio de Janeiro, deixa um legado que atravessa gerações. A notícia foi confirmada pelas redes sociais do artista, com um comunicado que refletia bem seu espírito livre: após uma cirurgia recente, ele chegou a despertar cantando “Meu Nome é Gal”, com a mesma energia e humor que marcaram sua trajetória.
A despedida encerra uma carreira que nunca caminhou pela rota mais simples. Macalé rejeitou rótulos, recusou convenções e construiu uma obra guiada por experimentação, lirismo, fricção estética e uma profunda devoção à liberdade criativa. Nascido em 1943, no Rio, foi parceiro de nomes como Torquato Neto, Waly Salomão, Capinan, Gal Costa, Caetano Veloso e Hermeto Pascoal. Passou pela Tropicália, pela vanguarda paulistana, por trilhas de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, sempre orbitando por um território próprio, um país inventado onde samba, jazz, psicodelia e poesia existiam sem fronteiras.
O legado e o caminho até aqui
A formação de Macalé foi tão diversa quanto sua obra. Estudou com Guerra-Peixe, Turíbio Santos e Esther Scliar; dialogou com o cinema novo; acompanhou Bethânia; provocou plateias em festivais; lançou discos essenciais; tornou-se referência para músicos de diferentes gerações; e, até seus últimos anos, mantinha a mesma inquietação que o transformou em uma figura singular da cultura brasileira. Seu trabalho nunca foi sobre agradar, sempre foi sobre expandir.
Para homenageá-lo e oferecer uma chave de entrada ao seu universo, selecionamos oito músicas essenciais do artista.
“Vapor Barato”, parceria com Waly Salomão, aparece como o retrato mais reconhecível do artista. Lançada em 1971 e eternizada na voz de Gal Costa, é um mergulho na dor, na potência e no desamparo transformado em arte — uma síntese do Macalé emocional e indomável.
“Mal Secreto”, também com Waly, traz a introspecção como manifesto. É tensa, cortante, construída sobre voz e violão que soam como confessionais. Tornou-se símbolo de uma geração que deslocava a canção brasileira para territórios mais subjetivos.
“Movimento dos Barcos”, fruto da parceria com Capinan, é uma joia melancólica. A canção, aparentemente leve, carrega imagens de deslocamento e finitude, e encontrou eco em múltiplas regravações ao longo das décadas.
“Anjo Exterminado”, do disco de 1972, esbarra no teatral, no sombrio e no sagrado. É Macalé explorando limites, buscando tensões e caminhando por uma estética que poucos artistas brasileiros tiveram coragem de abraçar.
“Gotham City” carrega crítica social, ironia e o olhar de Macalé sobre o país em ebulição. A performance no Festival Internacional da Canção, em 1969, permanece uma das mais lembradas de sua trajetória, tanto pela provocação quanto pelo desconforto causado à época.
“Let’s Play That”, criada ao lado de Lanny Gordin, é o laboratório sonoro do artista transformado em gravação. Psicodelia, improviso, ruído, invenção — uma formação crucial para entender sua fase mais experimental.
“Hotel das Estrelas”, com Torquato Neto, é uma das grandes canções brasileiras dos anos 70. É triste, simbólica e profundamente humana, reunindo dois criadores que moldaram a sensibilidade poética de uma época.
“Farinha do Desprezo”, lançada em 1972, no álbum Jards Macalé, “Farinha do Desprezo” é uma das faixas mais fortes e irônicas da primeira fase do músico. A canção traz o típico “samba torto” que marcaria sua estética: violão incisivo, andamento quebrado e uma interpretação que mistura deboche, melancolia e crítica.