CELEBRANDO OS 80 ANOS, CAETANO VELOSO E GILBERTO GIL, RELANÇAM DOIS DISCOS EMBLEMÁTICOS DOS ARTISTAS, “TRANSA” E “EXPRESSO 2222”

31 de outubro de 2022

A Universal Music Brasil disponibiliza na UMusic Store, plataforma de e-commerce da companhia, dois grandes clássicos da música popular brasileira: “Transa” (1972), de Caetano Veloso, em vinil translúcido branco, e “Expresso 2222” (1972), de Gilberto Gil, em vinil verde, dois artistas que completam 80 anos em 2022. Essas duas obras-primas também neste ano cinco décadas de seus respectivos lançamentos.

Caetano Veloso | “Transa” (1972)

Gravado em 1971, no Chappell Recording Studios, em Londres, durante seu exílio, “Transa”, o álbum de Caetano Veloso foi lançado em janeiro de 1972. Com sete faixas, o disco foi produzido pelo britânico Ralph Mace e contou com a direção musical de Jards Macalé.

Gilberto Gil | “Expresso 2222” (1972)

Lançado em julho de 1972, “Expresso 2222” marca o retorno do cantor e compositor baiano Gilberto Gil ao Brasil após um exílio de três anos em Londres. O nome do álbum foi escolhido em homenagem a um trem que o cantor pegava para sair da cidade onde morava em direção a Salvador, sua cidade natal.


          Raízes e futurismo na obra prima “Transa”, de Caetano Veloso, que celebra 50 anos de seu lançamento

Por Tárik de Souza

             O álbum “Transa”, lançado no Brasil em 1972, sob a forma de discobjeto, com capa montável de Alvaro Guimarães e Aldo Luiz, se insere num período convulsionado da carreira de Caetano Veloso. O tropicalismo tinha sido brutalmente interrompido, no final de 1968, logo após recrudescimento da ditadura através do AI-5, pela prisão política de seus principais mentores. Caetano e Gilberto Gil, depois, foram confinados na Bahia e exilaram-se em Londres. A primeira epístola musicada sob a forma de LP que Caetano enviou de lá, trazia apenas seu nome no título. Ele irrompia na foto da capa sisudo, de barba, bigode e a rebelada cabeleira entre agasalhos de peles.  Além de uma estampa farpada da cidade, que se tornaria hit, seu e em outras vozes (“London, London”), o disco, quase todo em inglês, trazia menções explícitas à perseguição sofrida. Como em “In the hot sun of a Christmas Day” (“eles estão me caçando sob o sol tórrido de um dia de Natal”) e na recriação da folclórica “Marinheiro só” (“eu não sou daqui/ eu não tenho amor/ eu sou da Bahia de São Salvador”), de “If you hold a stone”. Em “Maria Bethânia”, ele suplicava à irmã que o enviasse uma carta, “desejo saber que as coisas estão melhorando”. E a megaclássica toada de exílio “Asa branca”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira (“hoje longe muitas léguas/ nesta triste solidão/ espero a chuva cair de novo/ pra mim voltar pro  meu sertão”) vinha mastigada em improvisos de cantoria de cego.

                O mesmo Ralph Mace, que assinou a produção deste disco (com Lou Reizner) se responsabilizaria sozinho por “Transa”, também gravado no Chappells Studios, de Londres, no final de 1971. Credenciado por sua participação, pilotando um ainda debutante sintetizador Moog, no bólido de David Bowie “The man who sold the world”, Mace, que também produziria discos de ases como Henry Mancini, Isao Tomita e Cleo Laine, assegurou integral liberdade para que Caetano desenvolvesse seu projeto pessoal. “Ali se deu minha primeira tentativa de criar um som a partir de minhas próprias ideias”, rebobinou ele, em seu livro autobiográfico “Verdade tropical”. O grupo idealizado para ”tocar a partir do meu próprio modo de tocar violão”, escalava Jards Macalé na direção musical, violão e guitarra, Moacir Albuquerque, no baixo, Tutty Moreno, à bateria, e Áureo de Souza, na percussão. A argamassa sonora resultante conjuga coesão e ruptura em longos improvisos, impulsionados pelos desdobramentos das canções em esferas e atmosferas recorrentes e/ou discrepantes.

              A gravação, que ousava alguns furos a mais em relação ao disco anterior, e cevava a distopia do radical vanguardismo do seguinte, “Araçá azul”, transcorreria meses depois de um episódio traumático vivido por Caetano, numa breve passagem pelo Brasil. Maria Bethânia conseguiu permissão para que ele retornasse do exílio a tempo de participar das bodas de 40 anos de casados de seus pais, em 1971. Mas assim que desembarcou no Galeão, ele foi detido e levado para um interrogatório que durou seis horas, num apartamento do centro do Rio. Entre ameaças, restrições à sua circulação para apenas um mês sem deixar a Bahia, ele teria que submeter suas entrevistas por escrito aos agentes federais, e deveria compor uma música exaltando a estrada Transamazônica, a gigantesca obra viária da ditadura, até hoje inconclusa. Caetano escapuliu da exigência e a palavra-ônibus “Transa”, do título, com seus múltiplos significados, trafega longe de qualquer alusão ao pleito de seus algozes.

             Espalha-se pelo disco uma energia libertária, de quem toma o próprio destino estético nas mãos e se permite promover colagens de suas novas composições a trechos e citações de temas alheios. “Viver em Londres e testemunhar a explosão da indústria musical, os grandes grupos de rock e a ascensão do reggae com seu senso de liberdade para todos, teve considerável influência sobre eles, mas não mudou sua música”, constatou Mace – que também produziu Gilberto Gil exilado – em entrevista à Folha de São Paulo, em maio de 2012. Como na melíflua “You don’t know me”, com inserções de “Maria Moita” (Carlos Lyra/ Vinicius de Moraes), “Reza” (Edu Lobo/ Ruy Guerra), “Hora do adeus” (Onildo Almeida/ Luiz Gonzaga) e o contracanto de Gal Costa num fragmento da tropicalista “Saudosismo” (“eu, você, nós dois/ já temos um passado, meu amor/ um violão guardado/ aquela flor/ e outras mumunhas mais”). Aberta com o verso típico do blues genérico “I woke up this morning”, a espiral “It’s a long way”, engata a beatle “The long and winding road”, e ainda arrebanha, da toada matuta “Sodade, meu bem, sodade” (Zé do Norte) ao afro samba “Consolação” (Baden Powell/ Vinicius de Moraes) e a assombrada litania “A lenda do Abaeté” (Dorival Caymmi). O incendiário vate baiano Gregório de Mattos fornece o mote de “Triste Bahia” (“oh quão dessemelhante”), num contraplano de berimbaus, jogos de capoeira e refrãos do folclore. Turbinada por guitarras importadas do tropicalismo para a MPB, o acre samba carnavalesco “Mora na filosofia”, de Monsueto Menezes (e Arnaldo Passos), é desconstruído e ressignificado.

            Pontilhado por latinhas e repiques, “Neolithic man” destila enigmas (“sou o silêncio ouvido subitamente/ após a passagem de um carro”), cinzelado pelo vocalise de Gal Costa. Outra faixa com a participação da cantora é o dialético rockabilly “Nostalgia (That’s what rock’n’ rol is all about”), que conta também com a gaita bluesy da ainda desconhecida Angela Ro Ro, então habitante da swinging London. Considerada pelo próprio Caetano, na época, sua “melhor música em inglês”, “Nine out of ten”, desafia os que o tentaram silenciar (“I’m alive/ and vivo, muito vivo”) e ainda introduz, de forma pioneira, o reggae, captado in loco, na ebuliente Portobello Road londrina. Uma obra prima que alinhava raízes e futurismo.


O monumental “Expresso 2222” projetou a obra de Gilberto Gil para além de seu tempo

Por Tárik de Souza

          “Eles diziam que as autoridades militares queriam me fazer algumas perguntas e eu, muito mais ingênuo do que eles podiam imaginar, acreditei. Um deles me fez uma sugestão que primeiro me pareceu estapafúrdia, mas logo me encheu de medo: ‘Melhor você levar sua escova de dentes’”. A tétrica cena, narrada no livro “Verdade tropical” (Cia das Letras, 1997), de Caetano Veloso, prefacia a prisão dele e de Gilberto Gil, em São Paulo, em 27 de dezembro de 1968, apenas duas semanas após a decretação do AI-5, pela ditadura militar. Seguida de um confinamento em Salvador, expulsão do país, e um exílio prolongado, em Londres, ela interromperia abruptamente a ação disruptiva na MPB, deflagrada pelo movimento tropicalista que eles tinham inaugurado no ano anterior.

              Em 1969, saíram dois álbuns de despedida, o branco de Caetano (com evocações de exílio, como “Irene” e “Marinheiro só”) e o “Gilberto Gil”, do explosivo “Aquele abraço” (“meu caminho pelo mundo/ eu mesmo traço”), além do registro de um show gravado ao vivo, em dupla, em Salvador (“Barra 69”). Só voltariam aos estúdios na Inglaterra. De lá, enviaram “Caetano Veloso” (com “London, London” e “Asa branca”) e o vanguardista “Transa”, e “Gilberto Gil” – o de “Crazy pop rock” (com Jorge Mautner) e da elucidativa “Can’t find my way home” (Não posso encontrar o caminho de casa)”, do roqueiro inglês, Steve Winwood.

          Após gravar seis faixas de um segundo disco na Inglaterra, com o produtor Ralph Mace, o mesmo do anterior, GIl abandonou tudo para voltar ao Brasil, em janeiro de 1972. Em entrevista a Julio Hungria, no Jornal do Brasil, transcrita no livro “Tropicália – a história de uma revolução musical”, de Carlos Calado (Editora 34, 1997), decantou: “Vi tudo, vivi tudo, o sonho acabou, os anos 60 passaram, a música levou tudo às últimas consequências. Agora vou ver o que é que sobrou, o que é que eu sou, o que é que eu posso”.  E reavaliou-se: “Sei hoje, por exemplo que toco violão diferente do que tocava há uns três anos. Mais, sim. Encontrei as raízes, eu diria que estou mais próximo. Sou muito nordestino, muito popular, bem pop, sou cantor de feira, sou cantador. A distância do Brasil ampliou o quadro, e eu pude ver melhor’.

         A volta de Gilberto Gil aos próprios trilhos estéticos se dá neste monumental álbum “Expresso 2222”, lançado ainda em 1972 – há 50 anos. Ele se reparte, claramente, entre o Gil nordestino e o pós-tropicalista. Abre o cortejo, “Pipoca moderna”, com a Banda de Pífanos de Caruaru, fundada, em 1924, pela família de Sebastião Biano, autor da música. O resfolego das flautinhas rústicas, agudas e dramatúrgicas, rebatidas pelo zabumba percutido, foram inspiração para o frescor que ambicionava no início o tropicalismo, a partir de prospecções regionais do próprio Gil, antes de formular o movimento. Adiante, a música ganharia letra quase onomatopaica de Caetano, mas aqui ela aparece em sua crua nudez instrumental, meros dois minutos de puro encantamento.

           Também do segmento nordestino do disco são duas composições levadas em pulso acelerado, de xaxado elétrico. “O canto da ema” (João do Vale, Ayres Viana e Alventino Cavalcanti), lançada por Jackson do Pandeiro, em 1956, com a típica alusão rural ao comportamento da natureza (“Você bem sabe que a ema quando canta/ traz no meio do seu canto um bocado de azar”). E o vertiginoso “Sai do sereno”, de Onildo Almeida, pelo sanfoneiro Abdias dos 8 Baixos, em 1965. No disco, numa releitura a duas vozes, de Gil e Gal Costa, turbinada por Lany Gordin (guitarra), Bruce Henry (baixo), Perna Fróes (piano) e Tutti Moreno (bateria). Já o conceitual “Chiclete com banana” (Gordurinha/ Almira Castilho), êxito de Jackson do Pandeiro, em 1959, o mesmo ano do manifesto da bossa nova, “Desafinado”, com João Gilberto. Suas lições programáticas costuradas no violão coloquial de Gil, sublinham a influência do baiano de Juazeiro sobre o solista soteropolitano: “Eu só boto bebop no meu samba/ quando Tio Sam pegar num tamborim/ quando ele pegar num pandeiro e num zabumba/ quando ele aprender que o samba não é rumba”.

           Também é o violão de Gil que cerze a futurista faixa título, cujo mote lhe veio ainda em Londres (“começou a circular o expresso 2222/ que parte direto de Bonsucesso/ pra depois”), segundo conta em seu livro “Todas as letras”, (Companhia das Letras, 1996) organizado por Carlos Rennó. Associavam-se lembranças dos trens da Companhia Leste Brasileiro, de sua infância, e outras viagens, as das drogas da era hippie, “os modificadores e expansores de consciência da época”. Num pique instrumental oposto, de rock aceso, injetado pelo quarteto instrumental nuclear do disco, “Back in Bahia”, de certa forma, dialoga com o hit solidário do pernambucano Paulo Diniz, de 1970, “Quero voltar pra Bahia”. Conecta, ainda a matricial roqueira Celly Campello a “tanta saudade, preservada num velho baú de prata/ dentro de mim”.

           Da lenta assimetria dos perfis dissonantes de “Ele e eu”, vai-se ao salto determinista de “O sonho acabou”. Eis mais uma faixa calcada no eloquente violão do solista, que passa o rodo numa geração em transe: “quem não dormiu no sleeping bag/ nem sequer sonhou”. O fecho de tantas viagens aponta para fora das fronteiras, em “Oriente”, sob a atmosfera do célebre dístico propagado pelo ativista lisérgico americano Timothy Leary: “Turn on, tune in, drop out”. Resumindo: “se ligue e caia fora”. Propõe a canção circular de Gil, repleta de improvisos vocais, digressões e falsetes: “Considere, rapaz/ a possibilidade de ir pro Japão/ num cargueiro do Lloyd lavando o porão/ pela curiosidade de ver/ onde o sol se esconde/ vê se compreende/ pela simples razão de que tudo depende/ de determinação”. Era o determinismo histórico reagindo aos obstáculos que pretenderam desviar arbitrariamente seu curso.

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